31 de março de 2016

MAIS UM "CAFÉ DE LA PAIX"


[Aviso à navegação: este é um post excepcionalmente longo. 
Arranjar uma cadeira.]

Tenho adiado trazer aqui memórias de Paris por saber que qualquer coisa que tente desenhar já terá sido vista um milhão de vezes. Não conheço nenhuma cidade mais pintada do que Paris, ou alguma em que se vejam tantos pintores de rua no seu afã eterno. Por isso, quando finalmente me decidi, saudosa, rabiscar a cidade, resolvi evitar o Sena a todo o custo, a Torre Eiffel, claro está, e outros lugares-comuns como o Sacré Coeur e Notre Dame. Vou desenhar uma esquina, decidi. Uma cena de rua, com gente e carros, talvez um monumento, sim, mas em segundo plano. Ah, e uma esplanada! Como desenhar Paris sem as suas esplanadas? Mãos à obra, pensei, determinada. E saiu-me isto:





O que aqui vêem é o Café de la Paix, com a Ópera a espreitar em segundo plano. (Comi ali certa vez um mille feuilles com - imagine-se - pétalas de rosa que, além de me custar uma fortuna, me deu a impressão que estava a engolir um perfume de avó.) Quando acabei o desenho, longe estava eu de saber, por muito que pressentisse a concorrência esmagadora, que...

26 de março de 2016

MICHAEL CUNNINGHAM


Foi esta terça-feira, na FCSH da Nova, que vi ao vivo o autor de As Horas, tríptico belíssimo que lhe valeu o Pulitzer e a fama hollywoodesca. Anfiteatro cheio: muitos académicos, muitos alunos, alguns curiosos, uma ou outra cara pública. E uma palestra luminosa, emotiva, a prender tudo e todos de início ao fim, com um humor descontraído e uma atitude totalmente despretensiosa. Tão diferente de tantas primas-donas que pululam por aí! E a simpatia... Uma simpatia espontânea, fácil, contagiante. Aqui deixo o meu registo:


Nesta tarde recém-primaveril em Lisboa, alguém lhe perguntou da plateia sobre o acto criativo da escrita. Da resposta dele retive três ideias cristalinas. Foram mais ou menos isto (desculpem se a minha memória empobrece as palavras que ouvi):
- "Nine out of ten of my Creative Writing students say they write for themselves. Right. So I make an elaborate cake to eat it all by myself? No, everybody writes for the readers."
- "Some days I write only three sentences. And they are trash. Some other days, I write seven pages. And they seem to be pretty good! It's a mystery."
- "Bad writing differs from good writing just as dead writing differs from writing that is living. Writing that is living makes you feel: love, sorrow, fear, passion."

24 de março de 2016

AS GÉMEAS


Na glória e na tragédia. Vi-as ao vivo, como já aqui alardeei, cinco meses antes da queda. Nessa visita a Nova Iorque em 2001 vi-as primeiro ao longe, e a impressão foi singular. O skyline era, com elas, tão desproporcionado como espantoso:


Captei esta vista do ferry que faz a ligação entre Manhattan e Staten Island e nunca mais a esqueci. Como poderia?


Depois, vi as Torres Gémeas bem de perto. Subi ao terraço da Torre 2, nada modestamente chamado "Top of the World Observatory", num elevador que nos pôs a 410 m do solo (108º andar, mais dois de escadas) em apenas 45 segundos. E do deck pasmei, literalmente, para a vertigem das alturas e para a imensidão da paisagem urbana. Curiosamente, tive ali a mesma ilusão de óptica que é costume ter-se ao olhar para o cimo de uma torre ao lado da qual passam nuvens: parece-nos que oscila e vai cair. Dali de cima, também parecia que o chão longínquo se movia e que a qualquer momento a torre cairia. Bom, que sorte a minha ser ainda Abril! A torre viria a cair, sim, mas como todos sabemos em Setembro, vitimando outras pessoas, tantas, muitas decerto como nós, que ali teriam ido inocentemente, numa bela manhã de sol, admirar a vista sobre o rio Hudson e a Brooklyn Bridge.


15 de março de 2016

RUA 88


É uma daquelas ruas residenciais típicas da Nova Iorque antiga, com os seus prédios de quatro andares, robustos e dignos, ornados de bay windows, escadarias e gradeamentos por onde se espreita a sub-cave. Nos dois lados das ruas estreitas, regra geral de um só sentido, há árvores altas e imponentes. Adoro estas ruas e estas casas. Fazem-me lembrar aqueles filmes deliciosos do Woody Allen, em que ele, de passo estugado passeio fora, discorre acerca da vida, do amor e da morte.



Esta que aqui vêem é a 88ª. Fica do lado oeste do Central Park, no chamado Upper West Side. Custa a crer, vendo-a tão humana e acolhedora, que esteja em plena Manhattan, rodeada de arranha-céus. Se esticássemos o pescoço acima dos telhados seríamos esmagados por eles. Mas aqui de baixo, sem os vermos, quase parece o bairro de uma cidade pacata.

É oficial: se me mudar para o outro lado do charco, vou viver para esta rua-capicua e fazer amizade com a Annie Hall.

5 de março de 2016

NOVA IORQUE FORA DE HORAS


Na minha primeira aguarela nocturna, onde me debati com a escuridão do céu em contraste com a euforia dos néons, deixo a minha versão de Times Square, com todas as luzes e todas as cores: 


Olhá-la faz-me sorrir: gostei de ali estar, faz agora 15 anos, apesar da confusão, do ruído, dos apertos, dos engarrafamentos e do caos. Há vida, a rebentar pelas costuras! Noutra fotografia resgatada a um dos meus álbuns de viagens, aqui fica como de costume a minha pessoa, flashada e espectral, mais uma no meio da multidão:


1 de março de 2016

BOLO DE NOIVA NA GRANDE MAÇÃ


Não, não fui a um casamento a Nova Iorque. Com o meu título culinário de hoje, meramente metafórico, regresso ao coração de Manhattan, ao ano de 2001. Sim, isso mesmo: fui ali, com grande pontaria, no ano do ataque às Torres Gémeas, embora cinco meses antes, em Abril portanto. Mas do que venho aqui falar é de outro ícone da cidade, o Guggenheim, felizmente incólume até hoje. Com os seus vários andares cilíndricos, brancos, a alargar para o topo, o museu sempre me pareceu um bolo de noiva ao contrário. Aqui o evoco, como tributo a Frank Lloyd Right, que o projectou como um "templo da mente". De resto, fica o bulício típico da 5ª Avenida, os yellow cabs e, ali mesmo ao lado, o verde do Central Park:

E aqui estou eu com a minha filha mais velha, na altura com 9 anos, uma óptima companhia nas enormes caminhadas pela cidade, numa fotografia péssima (fotografia de fotografia, com sombras de efeito focinhudo) mas de doce valor sentimental: